E no especial de hoje, você confere uma justa homenagem para Ayrton
Senna. Relembra também, os seus principais momentos e títulos. Uma boa
leitura!
Senna – Uma maioridade sem um ídolo
Por: Davi Paiva da Silva
Neste
1º de maio, completam-se 18 anos da morte de Ayrton Senna. Muitos
freqüentadores do Minilua são jovens e não devem se lembrar dele. Outros
não devem saber tantos detalhes da vida dele quanto os que serão
expostos nesta matéria talvez pela memória curta ou por realmente não
saberem.
O meu objetivo nesta matéria é mostrar a vocês porque
este homem é considerado até hoje um dos brasileiros mais influentes do
país. Por que Schumacher, mesmo com os seus títulos, não o alcançou em
termos de lenda automobilística ou por que Pelé, Ronaldo, Aurélio
Miguel, Cesar Cielo, Anderson Silva e outros não podem ser comparados a
ele. Vejam que antes dele ser corintiano, paulista, integrante de uma
família rica ou qualquer outra coisa, ele foi uma pessoa… Uma incrível
pessoa.
Ayrton – a pessoa
Quem
visse o filho de Milton e Neyde Senna que nasceu em 21/03/1960 quando
era criança, não acreditaria na lenda que ele se tornaria o grande
piloto que foi. O pequeno Beco como era chamado pelos pais era um garoto
que apesar de ser de uma família rica, era generoso com as outras
crianças emprestando seus brinquedos a elas – e as vezes, ficava
olhando-as brincarem – e sua maior característica era a sua falta de
coordenação motora: Ayrton era um canhoto (para sofrimento dos pais)
atrapalhado, com canelas roxas e a testa cheia de galos. Era uma grande
preocupação dos feirantes e sua mãe chegou a levá-lo a um neurologista
para ver se ele tinha algum problema. O médico apenas constatou que ele
tinha muita rapidez em executar o que queria – foi assim que ele quando
criança, estava todo arrumado para ir a uma festa e entrou no carro
correndo, deu uma cambalhota e caiu do outro lado, sujando-se em uma
poça d’água – e que só lhe faltava precisão. Quando o pai dele o deu seu
primeiro carro, um kart de motor de picadeira de cana de 3 cavalos de
potência aos 4 anos de idade… Começava uma grande história.
Senna já dirigia muito bem e aos nove anos de idade participou de uma corrida. Mesmo com garotos mais velhos, ele garantiu sua
pole position
e a cinco voltas de sua primeira vitória, foi posto pra fora em um
choque e seu pai o impediu de correr. Aos 12 anos, foi matriculado em
uma academia de Judô e aquilo não deu certo: chegava atrasado na sala
porque ficava correndo ou arrumava brigas para colocar em prática o que
sabia de lutas. Milton não teve opção senão voltar a colocá-lo nas
pistas (sem contar a pressão do garoto, pedindo por isto).
Voltou
ao kart em 1973 e nesta modalidade, conheceu Terry Fullerton, que em
uma entrevista do documentário “Senna”, de Asif Kapadia, apontou como o
melhor piloto com qual competiu. Saiu de lá em 1980 e passou pela
Fórmula Ford 1600 (81, onde foi campeão), Fórmula 2000 (82, também
campeão com um recorde de 15 poles e 21 vitórias) e F3 (83, campeão com
um recorde de 12 vitórias ao longo de 20 corridas).
Infelizmente,
o que ele não pôde ganhar foi sorte em seu relacionamento com a
namorada Lilian de Vasconcellos, a única com a qual se casara antes dos
períodos de Fórmula 1 e se divorciou. A vida dos dois na Inglaterra era
difícil em questões financeiras – Senna recusava pedir dinheiro aos pais
e não queria que a esposa fizesse o mesmo – bem como questões de
moradia. E acima de tudo, Ayrton era obcecado por correr e chegava a
dormir em outra cama nas vésperas das corridas. O divórcio ocorreu em
1983.
Antes da modalidade que o consagrou, Senna foi obrigado a
largar as pistas por dificuldades em lidar com patrocinadores e por
ordem do pai que o pediu para assumir os negócios da família. O
aborrecimento e a ajuda de um amigo da família, Armando Botelho, que
ajudou com a parte burocrática da volta às pistas solucionaram tudo (ou
quase tudo, como visto no parágrafo acima).
E assim entre todas estas idas e vindas, ganhos e perdas, Senna conseguiu seu contrato com a em 1984 na Fórmula 1.
Ayrton Senna – o piloto
O
começo de Senna na Fórmula 1 não foi fácil. O piloto chegou a dizer
“quem fizer a primeira proposta me leva” e a Toleman não era uma grande
equipe e nem tinha o melhor carro e em seu primeiro ano, conseguiu o
nono lugar na tabela final de pontos e subir três vezes ao pódio (uma
vez em segundo e duas vezes em terceiro). Parece pouco? Vendo por este
aspecto, sim. Mas ser um novato nas pistas e ir escalando as posições no
GP de Mônaco, um circuito difícil, até a segunda colocação e só não
conseguir a primeira posição por interrupção da corrida (devido à chuva)
não é pra qualquer um.
Já
em 1985, na Lotus (motor Renault), Senna já despontava ainda mais: foi
no GP de Estoril (Portugal) que conseguiu sua primeira
pole position
e sua primeira vitória (detalhe: com um minuto de vantagem sobre o
primeiro colocado). A sua permanência nesta equipe lhe amadureceu o
suficiente para conseguir o 4º lugar neste ano e no ano seguinte, além
da terceira colocação em 1987.
Os meados deste ano também foram
marcantes para Senna devido a uma brincadeira que terminou muito mal:
Nelson Piquet havia espalhado o boato que Senna era homossexual e isto
se alastrou no mundo da Fórmula 1 e no círculo das notícias sobre
pessoas famosas. Ayrton teve que abdicar da companhia de um amigo e
auxiliar, Américo Jacoto Júnior, que lhe fazia companhia e lhe prestava
serviços. Foi uma época muito amarga na vida do piloto.
Já em
1988, Senna estava na McLaren (motor Honda) e tinha como parceiro o
bicampeão Alain Prost, que se diferenciava dele por ser um piloto que
prezava mais os pontos do que as vitórias. Alain “Professor” Prost
quando precisava chegar em terceiro, fazia o possível para não sair
desta colocação. Não competia pela segunda ou a primeira posição. Em
suma, era um piloto tão bom quanto metódico quanto ao desempenho para
conseguir o que queria.
Neste ano, a pressão sobre Senna era
enorme. Ser de uma grande equipe e ter um dos melhores pilotos da época
como parceiro significava ter que mostrar por que ele estava na Fórmula
1. Naquele ano, ele não podia dar desculpas.
E não deu…
Foi
no GP do Japão em 1988 que Senna devido a um problema no motor, começou
a corrida em 14º colocado e foi aos poucos, chegando à primeira posição
passando pelos outros adversários, encarando chuva e Prost e terminou a
corrida ganhando o campeonato mundial de 1988.
Já
em 1989, a rivalidade com Prost atingiu níveis extremos: quando não era
o brasileiro que ganhava, era o francês. E no GP do Japão, tal rixa
atingiu níveis extremos: na 46ª volta, durante uma tentativa de
ultrapassagem de Senna, Prost (em diversas futuras entrevistas alegou
que) ia fazer a curva para o lado direito, lado no qual o seu colega de
equipe tentava a manobra, ato que resultou em uma colisão que tirou o
francês da corrida. O brasileiro ainda conseguiu entrar na zona de
manobras (Chicane Casio) sendo empurrado pelos japoneses, dirigiu até os
boxes com o bico do carro quebrado e lá fez a troca, retomando a
corrida e vencendo-a. Infelizmente, sua entrada na chicane foi
considerada irregular e Senna foi desclassificado. E pela contagem de
pontos, Alain Prost foi campeão mundial em 1989 e no ano seguinte,
começaria sua carreira na Ferrari. Somando isto com o término de seu
relacionamento com a apresentadora Xuxa, só podemos concluir que este
foi um ano muito ruim na vida do piloto.
Em
1990, para muitos, foi o ano da vingança: se Prost não terminasse a
penúltima corrida daquele ano que era o Grande Prêmio do Japão, Senna
seria campeão. E mesmo com a
pole position, o piloto brasileiro
não ganhou direito ao lado mais usado da pista (por sua vez mais limpo e
com maior tração) e teve que ficar com o lado mais menos usado (e por
sua vez, mais sujo) enquanto o francês ficava com o seu lugar. E segundo
as palavras de Senna:
“
Balestre [presidente da FIA, Federação Internacional Automobilística, compatriota e amigo de Alain Prost]
influenciou a decisão. Eu sei disso. Nós sabemos disso.
O sistema ferrou comigo várias vezes. Aí hoje eu disse para mim mesmo. Hoje, de jeito nenhum.
Hoje é do meu jeito.”
E
assim que foi dada a largada, Prost que estava em primeiro ia fazer uma
curva para a direita quando a roda traseira do seu carro colidiu com a
roda dianteira do carro do segundo colocado e ambos colidiram com a
murada de pneus em um impacto impressionante.
E quem era este segundo colocado? Ayrton Senna.
E com a colisão, Senna tornou-se bicampeão mundial de 1990.
O
ano de 1991 foi marcante para Senna. Nigel Mansell, outro grande rival
que pilotava pela Williams foi o seu grande adversário naquele ano
(Prost foi dispensado pela Ferrari durante aquele ano, pelo excesso de
divergências) e contava com motores mais potentes que os fornecidos ao
brasileiro. Mas nada disto o impediu de suas duas grandes conquistas: a
primeira foi a vitória no GP de Interlagos durante uma chuva e a poucas
voltas do final, com o câmbio emperrado na sexta marcha, fazendo-o se
esforçar tanto para dirigir que desmaiou ao término da corrida, com
cãibras e sendo obrigado a tomar injeções de glicose e anti
inflamatórios (Ayrton nunca havia vencido no Brasil até aquele ano) e a
segunda foi ter se tornado tricampeão mundial.
1992
foi outro ano duro na vida de Senna. A Williams tinha um sistema
automático de marchas e ajustes eletrônicos e assim, bastava o piloto
pisar fundo. Neste ano, Senna teve o quarto lugar na tabela final de
pontos e viu Alain Prost pilotar este “super carro” (detalhe: a única
exigência do francês foi não ter novamente o brasileiro como parceiro).
Já
1993 foi um ano que para muitos, foi o melhor de Senna: mais uma
vitória no Brasil, início de namoro com Adriane Galisteu (sua última
namorada), vice-campeonato e um dos momentos mais incríveis da Fórmula 1
(segundo ninguém menos que Bernie Ecclestone): ultrapassar 5 pilotos em
uma pista molhada na qual todos reclamavam que não tinha espaços para
ultrapassagem. É indescritível o que ele fez em Donnington Park no GP da
Europa de 1993.
1994
Prost
tinha se aposentado no ano anterior. Rubinho e Schumacher já davam as
caras (o primeiro como amigo e o outro como rival) e acima de tudo,
Senna agora pela Williams encontrava um grande problema: estabilizar um
carro que por ordens da FIA, tinha que dirigir sem os componentes
eletrônicos que fizeram história nos dois anos anteriores, assim como os
outros pilotos também estavam sob a mesma condição da exclusão de tais
componentes (mais tarde, foi comprovado que Schumacher utilizava tais
equipamentos em seu carro). Foram 3
pole positions e 2 acidentes naquele ano.
Até
que em 1º de maio de 1994, na sétima volta do GP de San Marino, Senna
liderava a corrida que teve que ser recomeçada depois de um acidente
entre os pilotos Letho (Benetton) e Lamy (Lótus) sendo que o dia
anterior, Ratzenberger (MTV Simtek) havia morrido em uma colisão e dois
dias anteriores, Barrichelo também se chocara contra um muro, sofrendo
alguns ferimentos.
Era na sétima volta que Senna ao tentar fazer
a curva Tamburello, notou problemas na suspensão e em 1.3 segundos,
tirou o pé do acelerador e pisou no freio, reduzindo 310 km/h para 216 e
ainda instintivamente colocou os braços a frente do rosto para se
proteger.
Nada disto deu certo.
Um
braço da suspensão atingiu a junção do capacete com a viseira em cheio.
O choque foi tão grande que o cérebro dele chacoalhou dentro do crânio.
Era um golpe devastador no piloto que foi sentido por muitos
brasileiros. Segundo o médico da Fórmula 1 e amigo de Senna, Sid
Watkins:
“
Ele suspirou por um instante e seu corpo relaxou. E
foi naquele momento… eu não sou religioso… mas eu pensei que o seu
espírito tinha partido.”
Senna – o mito
Nos
anos 80 e 90, o Brasil sofreu inúmeras mudanças político-sociais,
artísticas e viu muita coisa acontecer no mundo dos esportes: fim da
ditadura, impeachment de Collor, a derrota das seleções de 82 e 86
(consideradas umas das melhores que já tivemos), a primeira medalha de
ouro no Judô de Aurélio Miguel em 1992, etc. E entre tantos altos e
baixos, a crise que se agravava em nosso país fazia com que todos
tivessem vergonha de serem brasileiros.
Ayrton tinha orgulho de
ser brasileiro. Aonde quer que fosse, levava discos de cantores
nacionais e sempre erguia a bandeira nacional com orgulho. Diferente de
Nelson Piquet, ele foi mais cordial com a mídia e assim a Globo pôde
vender a sua imagem. Mas enganam-se aqueles que acham que a rede de
televisão carioca criou um herói: a mídia cria astros assim como os
destrói. E quando viram que nas rixas entre Senna VS. Piquet/ Prost/
Mansell/ Balestre/ Schumacher o brasileiro não entregava os pontos
(afinal, renderia muitos pontos de audiência uma mancada em rede
nacional), não tiveram escolha senão falar dele como um verdadeiro
herói.
Também se enganam aqueles que acham que Senna corria
única e exclusivamente por amor as corridas. Sim. Senna teve uma paixão
incontestável por corridas. Mas sabia se valorizar. “
No money, no race”
era uma de suas frases que obrigavam o chefe de sua equipe a pagar o
seu salário sem nenhum atraso, mesmo que os sistemas bancários não
operassem em um final de semana. Uma atitude que para muitos hoje em dia
poderia ser taxada de mercenária, mas ele tinha em mente duas coisas
quando pedia isto: ele sabia que era bom. E que merecia o pagamento.
Instituto Ayrton Senna – o legado
Até
hoje, o IAS ajuda mais de 2 milhões de crianças por ano desde 1994, ano
de sua fundação. O piloto também foi personagem de uma revista em
quadrinhos – Senninha – que foi criada no mesmo ano do instituto, cujas
publicações foram até 1999 e depois foram retomadas pela Ed. Panini
alguns anos depois. Infelizmente, a falta de popularidade do piloto com o
público jovem repercutiu no cancelamento da revista.
Mas o seu
maior legado é a sua influência, tanto no mundo brasileiro como no
automobilístico. Em 2003, a revista inglesa F1 racing fez uma pesquisa
com 32 pilotos, ex-pilotos, chefes de equipe, engenheiros e jornalistas
para escolherem quem “no esporte automobilístico, fez a diferença”, como
diz a revista. A classificação final foi:
1º Bernie Ecclestone
2º Enzo Ferrari
3º Ayrton Senna
5º Jackie Stewart
6º Juan Manuel Fangio
7º Michael Schumacher
9º Jim Clark
E abaixo, o depoimento sobre Senna na revista:
“Nenhum
de seus antecessores conquistou sua excelência. Somente Michael
Schumacher rivaliza sua fama. Onde Senna permanece único é na reverência
quase religiosa sempre associada ao seu nome, que cresceu a partir de
sua morte. Seu funeral no Brasil teve a escala de grandes estadistas.
Outro James Dean do automobilismo, Senna permanecerá sempre jovem para
os milhões que choraram por ele, garantindo sua condição de ícone para
gerações futuras. Detestado por alguns, rejeitado equivocadamente por
outros invejosos de seu talento, raramente, senão nunca, compreendido,
Senna permanece para os que o viram com uma síntese – ou mesmo o apogeu –
do significado da expressão “piloto de competição”. Sua influência se
estendeu além de sua própria geração e é incontestável que ele entendeu o
que significava para os que o adoravam. Mas esqueça o mito: lembre-se
da realidade. Senna podia manter o público num estado de encantamento
com suas hipnotizantes jornadas além do limite. Ele nos levou a lugares
que não sabíamos que existiam.”
Fontes:
RODRIGUES, Ernesto.
Ayrton – o herói revelado. Rio de Janeiro.